Sobras eleitorais e judicialização das regras de distribuição das vagas nos parlamentos do Brasil
- Instituto Vencedor

- 28 de mar. de 2023
- 5 min de leitura
Por Breno Ramos Guimarães* @brenoguimaraes.pa

* Cientista político, consultor do Instituto Vencedor e membro da Abradep – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político.
O Brasil adota o sistema proporcional para as eleições dos representantes nos parlamentos, conforme estabelece o art. 45 da Constituição Federal de 1988 para a Câmara dos Deputados.
A exceção é o Senado Federal, que se compõe de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário (art. 46, da CF/88).
A regra é que a eleição para a Câmara dos Deputados, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais obedeça ao princípio da representação proporcional, na forma prevista no Código Eleitoral (art. 84 e art. 106 a 113).
Segundo observa o cientista político Jairo Nicolau, em um sistema proporcional é necessária a definição de algum método para distribuir as cadeiras do Parlamento entre os partidos. O método de distribuição de cadeiras praticado no Brasil combina o uso da cota Hare – conhecido na legislação eleitoral como quociente eleitoral – com o de um sistema de divisores para as cadeiras distribuídas nas sobras[1] .
Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior (art. 106, do Código Eleitoral).
Por sua vez, determina-se para cada partido o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda, desprezada a fração (art. 107, do Código Eleitoral).

Em 2021, com o objetivo de fixar critérios para a participação dos partidos e dos candidatos na distribuição dos lugares pelo critério das maiores médias nas eleições proporcionais, o Congresso Nacional aprovou Projeto de Reforma Eleitoral (PL nº 783), que alterou diversos dispositivos do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965) e resultou na sanção da Lei nº 14.211, de 1º de outubro de 2021.
Assim, foram dadas novas redações aos artigos 107, 108, 109, incisos I e III, § 1º e §2º, e art. 111 do Código Eleitoral, conforme a seguir:
“Art. 107. Determina-se para cada partido o quociente partidário dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda, desprezada a fração.” (NR)
"Art. 108.Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.
....................................................................................................................” (NR)
“Art. 109. .............................................................................................................
I – dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido pelo número de lugares por ele obtido mais 1 (um), cabendo ao partido que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima;
...........................................................................................................................
III – quando não houver mais partidos com candidatos que atendam às duas exigências do inciso I deste caput, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias.
§ 1º O preenchimento dos lugares com que cada partido for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida por seus candidatos.
§ 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos que participaram do pleito, desde que tenham obtido pelo menos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente.” (NR)
“Art. 111. Se nenhum partido alcançar o quociente eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados.” (NR)
As principais inovações trazidas pela Lei nº 14.211, de 1º de outubro de 2021, foram as exigências de:
a) votação mínima de 10% do quociente eleitoral do candidato eleito pelo critério do quociente partidário;
b) distribuição dos lugares não preenchidos pelo critério das maiores médias, com candidato que tenha votação nominal mínima de 10% do QE;
c) participação das sobras do lugares entre os partidos que tenham obtido 80% do QE e os candidatos que tenha votos igual ou superior a 20% desse quociente;
d) candidatos mais votados serem eleitos (sistema majoritário), se nenhum partido alcançar o QE.
Essas inovações da Lei nº 14.211, de 1º de outubro de 2021, suscitaram a judicialização das regras eleitorais e critérios para a distribuição das cadeiras nas eleições proporcionais dos Parlamentos, principalmente das chamadas “sobras”.
De acordo com o professor José Jairo Gomes, por sobras, compreendem-se os lugares não preenchidos na primeira fase de operações[2].

Assim, vários partidos peticionaram Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s) no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a constitucionalidade dos dispositivos alterados no Código Eleitoral pela Lei nº 14.211, de 2021.
A Rede Sustentabilidade peticionou a ADI nº 7.228, sustentando a inconstitucionalidade material da norma por manifesta violação ao sistema eleitoral proporcional e requer que seja dada interpretação conforme a Constituição ao § 2º do art. 109 do Código Eleitoral, na redação dada pelo art. 1º da Lei nº 14.211, de 01 de outubro de 2021, por arrastamento ao art. 11, caput, e § 2º da Resolução /TSE nº 23.677/2021, e declarar a inconstitucionalidade do art. 111, do Código Eleitoral, na redação dada pelo art. 1º da Lei nº 14.211, de 01 de outubro de 2021.
O partido Podemos e o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ingressaram conjuntamente com a ADI nº 7.263, requer que seja dada interpretação conforme à Constituição da República ao inciso III do art. 109 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 14.211, de 01 de outubro de 2021, e, por arrastamento, ao art. 11, caput e § 4º, da Resolução/TSE nº 23.677, de 16 dedezembro de 2021, possibilitando que na terceira fase da distribuição das sobras no cálculo das maiores médias sejam contemplados todos os partidos que participaram do pleito, independentemente do quociente eleitoral alcançado, fundada na demonstração de ofensa ao princípio do pluralismo político e ao Estado Democrático de Direito (art. 1º, V da CR/88), da igualdade de chances (art. 5 da CR/88), da soberania popular (art. 14 da CR/88), do sistema proporcional (45 da CR/88), da legalidade (art. 2º da CR/88) e do princípio da separação de poderes (art. 5º, II da CR/88).
Por sua vez, o Partido Progressistas (PP) peticionou a ADI nº 7.325, na qual requer que seja declarada a inconstitucionalidade da parte final do § 2º do art. 109 do Código Eleitoral – expressão: “os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente.” – e, por conseguinte, a inconstitucionalidade por arrastamento do § 2º do art. 11 da Resolução TSE n. 23.677/2021.
Aumentaram as chances de mudanças nos critérios de distribuição das vagas nos parlamentos depois da recente manifestação do Procurador Geral da República, Augusto Aras, o qual opinou em Parecer pela procedência parcial dos pedidos para conferir ao inciso III e ao § 2º do art. 109 do Código Eleitoral interpretação conforme à Constituição, a fim de que, esgotados os partidos políticos e federações partidárias com os 80% do quociente eleitoral e candidatos com 20% desse quociente, as cadeiras eventualmente vagas sejam distribuídas a todos partidos e federações, segundo as maiores médias, dispensadas tanto a exigência da votação individual mínima quanto a do alcance de 80% do quociente eleitoral pelo partido ou federação, e declarar a inconstitucionalidade do art. 111 do Código Eleitoral, na redação atual e nas anteriores, de modo que, se nenhum partido ou federação partidária alcançar o quociente eleitoral, todas as cadeiras vagas devem ser consideradas sobras e distribuídas de acordo com as regras do art. 109 do Código Eleitoral.
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADI’s nº 7.228; nº 7.263 e nº 7.325 estão sob relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, o qual incluiu na pauta do plenário virtual do STF, com julgamento agendado para os dias 14 a 24 de abril de 2023.
Portanto, além das teses jurídicas desenvolvidas pelos partidos requerentes, a decisão que o STF tomar sobre os critérios das sobras eleitorais pode gerar mudanças na representação de vários estados, entre os parlamentares eleitos em 2022 para a Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas, em função de intepretação das regras eleitorais questionadas em conformidade aos princípios constitucionais do pluralismo político e do regime democrático.




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